RESUMO DO ACÓRDÃO N°00037/23
Prestação de Contas
EMENTA
PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. CONTAS DE GESTÃO. DEPARTAMENTO ESTADUAL DE ESTRADAS DE RODAGEM E TRANSPORTES-DER. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2019. FIXAÇÃO DE TESES JURÍDICAS. PROCESSO DE RESPONSABILIDADE E DOSIMETRIA DE SANÇÃO PECUNIÁRIA APLICÁVEL A CIDADÃO AUDITADO. MÉRITO DAS CONTAS DE GESTÃO. PRÁTICA DE ATO DE GESTÃO ILEGAL, ILEGÍTIMO, ANTIECONÔMICO OU INFRAÇÃO À NORMA LEGAL OU REGULAMENTAR DE NATUREZA CONTÁBIL, FINANCEIRA, ORÇAMENTÁRIA, OPERACIONAL OU PATRIMONIAL. REALIZAÇÃO DE DESPESAS SEM PRÉVIO EMPENHO. SUBAVALIAÇÃO DO PASSIVO. REALIZAÇÃO DE DESPESAS SEM CRÉDITO ORÇAMENTÁRIO OU ADICIONAL. CONTROLE PATRIMONIAL INADEQUADO. INFRAÇÕES QUE MACULARAM AS CONTAS. JULGAMENTO DAS CONTAS PELA IRREGULARIDADE. APLICAÇÃO DE MULTA. DETERMINAÇÃO. Os tribunais devem uniformizar a sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, conforme previsão inserta no art. 926, caput, do Código de Processo Civil (CPC) de aplicação subsidiária e supletiva, neste Tribunal, por força da norma de extensão prevista no art. 99-A da Lei Complementar n. 154, de 1996 c/c art. 15 do CPC. Fixação de teses jurídicas relacionadas com o processo de responsabilização e dosimetria da sanção aplicável a cidadão auditado. A imputação de responsabilidade pressupõe a indicação objetiva dos fatos, com a descrição pormenorizada da conduta infracional e o estabelecimento do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado lesivo, no caso de ilícito material, bem como as peças processuais devem ser instrumentalizadas com os elementos probatórios mínimos evidenciadores da justa causa da persecução estatal. Somente poderá ser responsabilizado, como condição indispensável, por suas decisões ou opiniões técnicas quem agir ou se omitir com dolo, direto ou eventual, ou cometer erro grosseiro (elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia – culpa grave), no desempenho de suas funções, conforme disposto no art. 28, caput, da LINDB c/c art. 12, caput e §1º do Decreto Federal n. 9.830, de 2019. Entende-se como dolo direto, quando o agente agir de forma livre e consciente com a intenção de praticar ato ilegal, ilegítimo e antieconômico contra a administração pública. Compreende-se como dolo eventual, o elemento subjetivo do ilícito em que o agente, antevendo como possível o resultado ilícito, como efeito de sua conduta, mesmo não o querendo de forma direta, não se importa com a sua consumação, assumindo, com isso, o risco de produzir ato ilegal, ilegítimo e antieconômico contra a administração pública. Configura erro grosseiro, o agente que pratica ato administrativo culposo de natureza grave, decorrente de elevada imprudência, negligência e imperícia, em razão de inobservância do dever de cuidado objetivo quanto às normas contábeis, financeiras, orçamentárias, operacionais e patrimoniais, bem como de direito tributário e econômico, critérios científicos e técnicos, além da violação aos princípios constitucionais e infraconstitucionais no desempenho de suas funções, conforme disposto no art. 28, caput, da LINDB c/c art. 12, caput e §1º, do Decreto Federal n. 9.830, de 2019. Para os fins de responsabilização, a instrução processual deverá revelar, por todos os meios em direito admitido, que o responsabilizado tenha cometido o ilícito mediante a prática de ato doloso ou com culpa grave (erro grosseiro). A ausência desses elementos subjetivos exclui a responsabilidade, ainda que possa subsistir a própria infração; Para se definir a culpabilidade, como juízo de reprovabilidade da conduta pelo autor do ilícito em sede de apuração de responsabilidade, o responsabilizado deverá, necessariamente, ser imputável (imputabilidade – capacidade de culpabilidade), possuir potencial consciência de que o ilícito é censurável, por ser contrário ao direito (potencial consciência da ilicitude) e ter se comportado de forma diversa (exigibilidade de conduta diversa), cuja matéria deverá ser enfrentada pelo Tribunal. A manifestação em que se requer a aplicação de sanção, além de comprovar a consumação do ilícito, deverá individualizar a conduta e indicar o nexo causal entre ela e o resultado lesivo e, ainda, evidenciar a presença dos elementos subjetivos do ilícito, culpa grave ou dolo, como condição indispensável para requerimento de imposição sancionatória. Na aplicação de sanções serão considerados, além dos princípios da legalidade, proporcionalidade, razoabilidade e da individualização da pena, obrigatoriamente, os seguintes requisitos: i) a natureza do ilícito; ii) a gravidade da infração cometida; iii) os danos patrimoniais e extrapatrimoniais que da conduta infracional resultar para a Administração Pública; iv) as circunstâncias agravantes; v) as circunstâncias atenuantes; vi) os antecedentes do agente, bem como serão observadas as circunstâncias práticas que houver imposta, limitada ou condicionada a ação do responsabilizado, inclusive aquelas hipóteses de exclusão de responsabilidade, e, ainda, as sanções aplicadas serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato, nos termos do art. 22 da LINDB. O julgamento irregular da prestação de contas ou tomada de contas especial, que não resulte a imputação de débito, impõe o sancionamento do responsabilizado pela infração mais gravosa, nos termos do disposto no art. 55, inc. I, da Lei Complementar n. 154, de 1996, c/c o art. 103, inc. I do Regimento Interno deste Tribunal. Os ilícitos independentes que conduzirem ao julgamento irregular das contas e que não estejam na mesma linha de desdobramento causal da infração mais gravosa, devem ser isoladamente sancionados, uma vez que os referidos ilícitos, por serem autônomos, são qualificados como atos praticados com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nos termos do disposto no art. 55, inc. II da Lei Complementar n. 154, de 1996, c/c o art. 103, inc. II do Regimento Interno do Tribunal. Na hipótese de os ilícitos não se consubstanciarem isoladamente como razão para macular as contas, mas que, pelo conjunto das infrações apuradas, forem julgadas irregulares, a sanção pecuniária a ser aplicada será aquela disposta no art. 55, inc. I, da Lei Complementar n. 154, de 1996, c/c o art. 103, inc. I, do Regimento Interno do Tribunal. Configuram ilícitos independentes, passíveis de sancionamento autônomo, dentre outras hipóteses, (i) o não atendimento, no prazo fixado, sem causa justificada, à diligência do Relator ou à decisão do Tribunal, (ii) a sonegação de processo, documento ou informação, em inspeções ou auditorias realizadas pelo Tribunal, (iii) a obstrução ao livre exercício das inspeções e auditorias, (iv) a reincidência no descumprimento de determinação do Tribunal, e (v) a entrega de quaisquer documentos indicados em ato normativo do Tribunal, quando apresentado fora do prazo fixado ou dos padrões exigidos, ressalvada a justificativa idônea e pertinente. O dever jurídico de recompor os prejuízos causados aos cofres públicos está sujeito à comprovação dos elementos subjetivos da infração qualificados como dolo ou culpa, essa última em qualquer gradação. A pena de multa proporcional ao dano causado, prevista no art. 54 da Lei Complementar 154/96, está sujeita à demonstração do dolo ou culpa grave. O afastamento de infração ou outro requisito que influenciou na dosimetria da sanção, em fase recursal ou por outra via legal, impõe a readequação do sancionamento imposto diante dos novos contornos fático-jurídicos. Expirado o prazo legal para o pagamento voluntário dos valores correspondentes à sanção pecuniária e/ou à imputação de débito, poderá ser determinado o desconto integral ou parcelado da dívida nos vencimentos, salários ou proventos do responsável que pertencer ao quadro estadual e municipal de servidores públicos, observado o limite máximo de 10% (dez por cento), conforme disposição prevista no comando legal preconizado no art. 27, inciso I, da Lei Complementar n. 154, de 1996 c/c o disposto nos arts. 67, caput, 68, caput, 161, § 1º e 292, caput, todos da Lei Complementar n. 68, de 1992. A realização de inúmeras operações de despesas, sem prévio empenho e sem dotação orçamentária, pode, no caso concreto, evidenciar que a conduta tenha sido presidida por dolo, na sua forma direta ou eventual. Para subsidiar a dosimetria da aplicação de sanção é necessário que seja juntada aos autos do processo a certidão de antecedentes, preferencialmente, por ocasião das manifestações técnicas, ou em qualquer fase do processo. A existência de antecedente negativo, caracteriza fato jurídico relevante para majorar a pena, porquanto revela a contumácia na prática de infração. A multirreincidência exige maior reprovação e rigor sancionatório do que o dispensado a quem é reincidente em razão de um único ilícito, constituindo-se, nessa perspectiva, fundamento válido, legítimo e apto para promover o aumento do quantum sancionatório, em virtude da maior reprovabilidade da conduta do infrator. A realização de inúmeras despesas públicas, sem prévio empenho, qualifica-se como fato jurídico relevante para majorar a pena a ser aplicada, em razão do efeito jurídico proveniente da gravidade da infração cometida, uma vez que o conjunto das operações financeiras infracionais pode revelar um problema sistêmico e amplamente disseminado na unidade fiscalizada, o que abala fortemente o bem jurídico tutelado, a saber, a incolumidade das contas públicas. A realização de despesas públicas, sem prévio empenho e sem dotação orçamentária, caracteriza infração gravíssima que reclama a majoração da sanção pecuniária aplicável, quando da realização da dosimetria da pena. A realização de despesas sem prévio empenho implica descontrole da gestão orçamentário-financeira da unidade gestora, principalmente quando ausente lastro orçamentário para a sua realização, o que, nessa hipótese, pode até mesmo caracterizar fraude contábil passível de rigoroso sancionamento, quando da dosimetria da pena pecuniária, dada a gravidade dessa infração. Para apuração dos efeitos extrapatrimoniais da infração, na dosimetria da sanção, deve-se considerar razoável descrédito da Administração Pública que infirma um ambiente íntegro e confiável e o eventual malferimento aos direitos imateriais de natureza transindividual, de categoria indivisível, cuja titularidade alcança pessoas indeterminadas. A ausência de empenho é passível de saneamento, em momento posterior e em usufruto da autotutela administrativa, desde que a correção total do vício ocorra dentro do próprio exercício financeiro, hipótese excepcional que será capaz de revelar a não ocorrência da subavaliação do passivo e, além disso, poderá ser valorada como circunstância atenuante quando da realização da dosimetria da sanção pecuniária, se for o caso. Os efeitos jurídicos decorrentes do princípio da consunção, provenientes da dogmática penal, são aplicáveis, no que couber, aos processos de controle externo. Na perspectiva do princípio da consunção, a realização de despesas sem prévio empenho poderá resultar na subavaliação do passivo, sendo certo que o caso concreto tem o condão de demonstrar se a realização dessas despesas conduziu, ou não, à subavaliação do passivo. Não se aplicará sanção ao responsabilizado, dentre outras hipóteses legais, desde que se reconheça (a) estar comprovada a inexistência do fato, (b) não haver prova da existência do fato, (c) não constituir o fato infração, (d) não existir prova de ter o agente concorrido para a consumação do ilícito, (e) restar comprovado que o agente não concorreu para a prática do ilícito e (f) não existir prova suficiente para a aplicação de sanção. Quando do julgamento de mérito se conhecer do cometimento de infrações que possam materializar a prática de crimes, inclusive os eleitorais, improbidade administrativa e/ou infração funcional grave deverá o Tribunal de Contas determinar a remessa de cópias do processo aos órgãos com competência para as providências que se fizerem necessárias. As disposições consignadas nas teses jurídicas, aplicam-se, no que couber, aos demais processos de controle externo, observando-se, para tanto, as peculiaridades incidentes a cada subcategoria de processo de controle externo. Comprovadas eivas graves nas Contas de Gestão que revelam prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial, deve o feito receber julgamento pela irregularidade na moldura do que estabelece o art. 16, inciso III, “b” da Lei Complementar n. 154, de 1996, c/c o art. 25 do RITCE-RO. In casu, o exame das contas em apreço detectou a ocorrência de infrações graves consistentes em realização de despesas sem prévio empenho, que resultou em subavaliação do passivo, realização de despesas sem crédito orçamentário ou adicional e controle patrimonial inadequado, que se mostram em descompasso com as regras vigentes aplicadas à espécie, que consoante jurisprudência deste Tribunal Especializado, são bastantes para atrair o julgamento pela irregularidade das contas, com a consequente aplicação de sanção pecuniária de multa. Precedentes deste Tribunal de Contas: (1) Acórdãos AC2-TC 00353/16 e AC2-TC 01380/16, Processos ns. 1.013/2003/TCE-RO e 1.079/2011/TCE-RO, respectivamente, Conselheiro WILBER CARLOS DOS SANTOS COIMBRA; (2) Acórdãos AC1-TC 03300/16 e AC1-TC 00002/22, Processos ns. 1.895/2012/TCE-RO e 2.529/2018/TCE-RO, respectivamente, Conselheiro JOSÉ EULER POTYGUARA PEREIRA DE MELLO; (3) Acórdão n. 091/2015-1ª Câmara, Processo n. 1.353/2008/TCE-RO, Conselheiro FRANCISCO CARVALHO DA SILVA; (4) AC1-TC 00896/21, Processo n. 1.530/2019/TCE-RO, Conselheiro Substituto FRANCISCO JÚNIOR FERREIRA DA SILVA, em substituição regimental ao Conselheiro aposentado BENEDITO ANTÔNIO ALVES. Atos sindicados em processo de prestação de contas de gestão julgados irregulares, com aplicação de sanção pecuniária ao responsável, dentre outras deliberações.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
"(...)FIXAR, com substrato jurídico no art. 926, caput, do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária e supletiva aos procedimentos deste Tribunal, nos moldes da norma de extensão preconizada no art. 99-A da Lei Complementar n. 154, de 1996, c/c o art. 15 do CPC, as teses jurídicas, abaixo transcritas, relacionadas com a responsabilização e a dosimetria da sanção aplicável ao responsabilizado em sede de apuração de responsabilidade neste Tribunal de Contas. (...)"
"(...) As disposições consignadas nas teses jurídicas, aplicam-se, no que couber, aos demais processos de controle externo, observando-se, para tanto, as peculiaridades incidentes a cada subcategoria de processo de controle externo. (...)"
VEJA
Código de Processo Civil (CPC).
Decreto Federal n. 9.830/2019.
Precedentes:
TCE-RO-Acórdão AC1 n. 0002/2022.
TCE-RO-Acórdão AC1 n. 896/2021.
TCE-RO-Acórdão AC2 n. 353/2016.
TCE-RO-Acórdão AC2 n. 1380/2016.
TCE-RO-Acórdão AC1 n. 3300/2016.
TCE-RO-Acórdão AC1 n. 091/2015.